Comecei a usar o Twitter nas últimas semanas. Teimosa que sou, relutei por anos antes de fazer o cadastro, levada pela sensação de já estar presa a teias demais. Mas, fato é que o cenário mudou e baixei o app.
E entre as tantas coisas que ocorreram quando cliquei no pássaro azul na tela do celular, uma me causou bastante impacto: as hastags. Levantadas diariamente e com uma velocidade impressionante, descobri na rede uma forma de acompanhar não os assuntos em si, mas como a comunidade cibernética os analisa e lida com eles.
E foi assim, sem postar quase nada e fuçando tudo, que dei de cara com uma nociva cultura do cancelamento, que se manifesta diariamente disfarçada de trending topic brasil: #BBB.
Envolvida pela diversão dos memes que permeiam a hastag, me vi mergulhar lentamente na narrativa criada para cada um dos brothers, concentrada na trajetória de um em específico: a obstetra Marcela Gowan, que passou de #fadasensata para #marcelamentirosa, #marcelaracista e #mãecela em menos de 15 dias.
Isso aí. Em apenas duas semanas a participante do reality foi de amada para odiada dentro da rede social que vem ditando os rumos do programa global.
Escrevo esse texto por achar que o caso Marcela personifica uma tendência perigosa da cibercultura: a criação de monstros e heróis reais a partir de um julgamento virtual.
Gowan, que entrou levantando uma bandeira feminista, deu o azar de ser pega pelas duas vertentes do mesmo fenômeno: quando se manifestou contra o machismo de alguns participantes foi taxada de “perfeita”; quando encobriu erros de pessoas queridas, falou mal de alguns e disse frases preconceituosas disfarçadas de piada se transformou na “pior pessoa que já passou pelo big brother”.
E ninguém pode negar esse impacto. Marcela, que era anônima, alcançou a inédita marca de 4 milhões de seguidores no Instagram quando o programa ainda beirava as primeiras semanas de transmissão. Agora, sofre ataques diariamente e já perdeu mais de 400 mil seguidores.
E, pasmem, o sentimento que permeia o Twitter é o de decepção. Os internautas sentem-se traídos pela imagem que eles próprios construíram da médica, que vem sendo o que todos somos aqui fora: falhos.
Quem nunca esbravejou sobre um comentário preconceituoso de alguém que não gosta, mas tratou com mais empatia o amigo que disse algo com teor parecido? Quem nunca fez ou riu de uma piada politicamente incorreta? Quem nunca falou mal de alguém próximo? Quem nunca criticou o relacionamento do outro, fechando os olhos para o seu?
Reconheço que a postura de Marcela engloba fatores mais complexos que esses, que envolve frases racistas e um feminismo seletivo. Porém, é necessário que o posicionamento dela sirva de aprendizado e seja analisado como um reflexo nosso, e não como algo que deveríamos repelir e isolar.
Antes do cancelamento, é importante que nos perguntemos: o quanto carregamos de Marcela aqui, do lado em que a vida de fato acontece?
Afinal, é fácil ser de isopor quando estamos protegidos pelas nossas próprias telas. O difícil é lidar com o verdadeiro, com o olho no olho e com o afeto que só a proximidade é capaz de materializar.
Que Gowan e todos os outros participantes saiam e respondam pelos erros que cometeram, não pelas expectativas alheias criadas a partir de suas imagens.
#menoshipocrisia #maisempatia
Mulher, alagoana, estudante de Jornalismo e apaixonada pelo audiovisual, descobriu no universo cinematográfico uma oportunidade para ouvir e entender histórias de mulheres que foram separadas pelo tempo. Nessa de observar as outras, acabou querendo conhecer mais sobre si mesma. Ama a natureza, livros, tarot e tomar um bom café. Escreve por que acredita que apenas o compartilhamento pode levar à unidade.