Foi no bairro Carmatelo, em Penedo, que a engenheira agrônoma Francisca Lima deu início a um projeto que mudou a vida de dezenas de mulheres em situação de vulnerabilidade social. Em 1997, ao lado da mãe, ela começou a ensinar algumas técnicas de bordado para um grupo de mulheres que estavam à margem da sociedade e com pouca expectativa para o futuro. Oito anos mais tarde, o projeto que nasceu a partir da vontade de duas mulheres bordadeiras foi formalizado, dando mais projeção para a Associação Pontos e Contos.
Dona Francisca, atual presidente da associação, relembra que o projeto foi iniciado depois que uma moradora do Carmatelo a procurou com a intenção de receber ajuda para criar uma associação comunitária no bairro. “Certo dia, uma moça do Carmatelo me procurou para que eu a ajudasse a montar uma associação de bairro. Então, marcamos uma reunião, fizemos um grupo, conseguimos linha, agulha e tecidos e fomos para lá, com a cara e a coragem. Chegamos lá e começamos a ensinar bordado para as meninas e eu comecei a vender as peças para as minhas amigas e, às vezes, eu comprava para estimular o trabalho delas”, conta.
A bordadeira recorda que o início do projeto foi marcado por uma série de dificuldades. “Era um trabalho muito incipiente. A gente não tinha apoio de ninguém, não era uma coisa profissional. Não tínhamos espaço físico e fixo. A gente ficava bordando na casa das meninas. O lugar onde a gente começou o trabalho era o Carmatelo, um lugar muito pobre e violento. Até hoje é violento. A gente ia para lá, mas tinha dia que a gente tinha que trancar a porta da casa. Então, foi muito difícil no começo”, relata.
Os primeiros contatos com o bordado
O primeiro contato de dona Francisca com as técnicas de bordado aconteceu ainda na infância, quando a mãe dela já trabalhava como bordadeira. “Eu sempre soube bordar. Aprendi a bordar com sete anos e por muito tempo bordei para fora para ganhar dinheiro, com minha mãe, na nossa casa. Minha mãe bordava para fora e eu a ajudava. Então, a minha história com o bordado começou quando eu era criança. E eu acho que herdei da minha mãe a paixão pelo bordado”, rememora.
A arte de bordar e contar histórias
Depois de participar de oficinas com um grupo de bordadeiras de Minas Gerais no início de 2000, dona Francisca teve acesso a novas técnicas de bordado. O contato da presidente da Contos e Pontos com as bordadeiras mineiras foi o primeiro passo para a formalização da associação, que aconteceu no ano de 2005. Neste ano, o grupo passou a receber acompanhamento do Sebrae em Alagoas. “No começo, a gente fazia bordado tradicional, bordava coisas bem comuns, do dia a dia de todo mundo que sabe bordar”, recorda.
Atualmente, a Associação Pontos e Contos conta com uma equipe composta por 32 mulheres bordadeiras e um artista plástico, que é responsável pela criação dos desenhos que são bordados nas peças produzidas pelo grupo. Os diferenciais do trabalho realizado pela associação são a personalidade e a singularidade das coleções, que geralmente valorizam a identidade do município de Penedo e da região do Rio São Francisco.
“Como a gente borda contando histórias, primeiro a gente faz pesquisas da história que a gente quer contar e depois entrega para o artista, que faz os desenhos que a gente borda. Não adianta querer bordar história copiando coisas dos outros. A gente tem que criar as nossas histórias. A primeira coleção que a gente bordou foi contando a história da religiosidade, das procissões, das igrejas. E aí a gente começou a entender que nós tínhamos conquistado uma identidade e era isso que estava fazendo a gente vender bem”, explica a presidente da Pontos e Contos.
As coleções da Pontos e Contos já exploraram, também, os caminhos e as lendas do Rio São Francisco. “A gente vê que as pessoas ‘enlouquecem’ com as histórias, com o desenvolvimento do bordado que a gente dá, com a riqueza dos pontos, das cores e do movimento que é dado ao bordado. Eu acho que o que mais encanta é o movimento. Você olha para o bordado e a impressão que você tem é que você está vendo a coisa ao vivo”, descreve.
“Esse trabalho dá para elas a dimensão de que elas são iguais a qualquer pessoa”
O trabalho desenvolvido pela associação Pontos e Contos tem impactado positivamente a vida de dezenas de mulheres que encontram no bordado uma oportunidade de geração de renda e de desenvolvimento pessoal. “O trabalho social é o maior de todos porque elas não tinham sonho, elas não sabiam o que é ser cidadã, elas achavam que eram diferentes das outras pessoas. Então, esse trabalho dá para elas a dimensão de que são iguais a qualquer pessoa, de que elas podem entrar em qualquer ambiente porque elas são pessoas iguais a qualquer outra”, afirma dona Francisca.
“Eu vejo o crescimento delas e percebo que sentem que precisam melhorar. Hoje, nós temos várias meninas na universidade, temos uma menina que se formou ano passado em Informática, temos outra que está fazendo Engenharia de Produção, temos uma que se formou agora em Fonoaudiologia e é muito legal saber que isso é fruto do trabalho realizado dentro da associação. Eu me sinto muito gratificada por isso”, acrescenta.
Apoio do Sebrae
A Pontos e Contos tem recebido o apoio do Sebrae desde que passou pelo processo de formalização, em 2005. De lá pra cá, o grupo teve a chance de participar de uma série de iniciativas promovidas pela instituição, como as consultorias de formação de preço e de marketing digital. “A associação não seria o que é hoje se não fosse o Sebrae. Eu sou engenheira agrônoma, sei fazer um monte de coisas, mas eu não sabia cuidar da parte administrativa, por exemplo. Então, em todos os passos a gente teve o Sebrae”, defende.
A presidente da associação conta, ainda, que o apoio do Sebrae Alagoas foi fundamental no momento em que o grupo precisou repensar as estratégias de vendas das peças bordadas. “A ajuda durante a pandemia foi a mais importante de todas. A gente se perguntava como iria vender as nossas peças. Então, começamos a fazer todas as capacitações que o Sebrae estava oferecendo e isso foi a nossa salvação porque a gente estava sem rumo. Eu tive que fechar a loja, Penedo ficou fechado. Então, caímos na internet e as coisas começaram a acontecer. O mais importante é o site que o Sebrae fez pra gente, que já estava pronto e nós colocamos na rua”, relembra.