Já está tudo pronto para a abertura da exposição “Caravana – não perca a bandeira”, do ilustrador Herbert Loureiro. A expo será apresentada na próxima quinta-feira (20), às 20h, na Pinacoteca da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com uma noite repleta de convidados especiais. Quem está super contente com a estreia do artista é a curadora Marta Emília Souza. Abaixo, ela expressa sua visão sobre a exposição “Caravana”, de Herbert Loureiro.
Caravana
Não perca a bandeira
Imagens como um agrupamento de pessoas que vão juntas a algum lugar, que atravessam de um ponto a outro em comboio, de um coletivo em trânsito marcado por certas circunstâncias espaciais e temporais, delineiam o que vem a ser uma caravana, termo oriundo do persa caruan , que definia o povo que saía em longas viagens, levando cargas e animais, protegendo-se entre si por caminhos inóspitos. Essas imagens/conceito foram apropriadas e ressignificadas por Herbert Loureiro para traçar os possíveis caminhos simbólicos de sua exposição Caravana.
A caravana contemporânea que o jovem artista Herbert traz para as salas da pinacoteca universitária sugere uma excursão por terras míticas e multicromática estampadas em acrílicas, aquarelas, bordados, costuras, colagens onde dançam figuras do coletivo imagético popular, como la ursas, cavaleiros, mocinhas, príncipes, bruxas, unicórnios, as mais diversas personagens de um comboio antropofágico alinhavado pelos contos, sagas, lendas, cantos e festas folclóricas locais como a cavalhada e o carnaval, e também pelo mundo fabuloso dos animés e dos cartoons, decompondo figuras como uma menina azul com cabelo rosa, um menino bege com cabelo azul e outro marrom com cabelo amarelo, um provável trio amoroso que voa por entre pizzas e hambúrgueres numa alusão sensorial e subversiva ao prazer. Aparições astrológicas, números cabalísticos, símbolos químicos, misteriosos unicónios, cavalos com cabeleiras em chamas e bruxas, também encenam a lenda de Caravana, que mais parece uma fábula, que ao contrário do senso comum é isenta de um reino fixo e também de um rei. Essa fábula se passa num entre lugar, cada cena se comporta como uma espécie de ala de uma escola de samba, movente e alegórica, impondo-se diante de uma simbólica bandeira/estandarte.
A fantasia pictórica de Caravana exalta a experiência teatral da representação de um mundo imaginário, marcado por aspectos plásticos fluídos, cromáticos de um mundo fabuloso e onírico, que logo nos faz lembrar a obra do russo Marc Chagall, cujas pinturas trazem um colorido noturno e mágico preenchido por traços figurativos encantados, como as personagens que voam sobre os telhados de velhas casas, juntamente com animais alados. Aproximando-se do simbolismo francês a obra de Chagall mergulha num universo psíquico de prováveis memórias, lembranças ligadas às questões folclóricas e populares, individuais e coletivas. Assim, Caravana de Herbert Loureiro segue por sobre pontes intertextuais, compondo uma trama dialógica, geradora da mobilidade dos significados, um dos traços vigorosos da arte contemporânea.
Diante dos possíveis processos composicionais, Herbert Loureiro deixa-se seduzir pelo inusitado caminho da investigação de novos suportes, técnicas e materiais, permitindo-se enveredar pelo risco e pelas estimativas subjetivas presentes nos experimentos. Nesse sentido, o artista permite que os elementos verbais sigam juntos nessa Caravana, compondo uma tessitura híbrida, entre as palavras e os elementos puramente visuais, capaz de delinear contornos narrativos e poéticos que insurgem no terreno fértil por onde o bando passa. As metáforas saltam nas entrelinhas de pequenos textos, sendo esses, escolhidos em meio às inúmeras vozes do universo cotidiano de Herbert, em um sensível processo de apropriação, como por exemplo: “senti uma faísca acho que comecei um incêndio”, uma espécie de epifania encantatória ou um tipo de ritual de purificação por meio de um fogo simbólico, um êxtase talvez. Em outros momentos essas passagens são elaboradas pelo próprio artista, como nos casos: “deslocar o que há entre você e o tudo”; “escolher entre dentro e fora”, que sugerem significados variados como a transcendência, ou um certo envolvimento místico diante da questão do pertencimento, identidade, do umbigo para o universo e vice versa. Assim a Caravana seria um tipo de manifesto encantado pela força do coletivo e da liberdade.
A Caravana revela tão bem os sentidos da provisoriedade relativa à condição temporal do deslocamento, transposição, passagem, daquilo que não se fixa por muito tempo em algum lugar, reforçando as noções de temporariedade e fragmentação. Dessa forma o espaço físico da galeria ganha os contornos metafóricos de uma estalagem ou Caravançarai, que abriga, resguarda ou hospeda temporariamente a Caravana, que certamente irá seguir em viagem, rumo a outras paragens, outros pousos contemporâneos.
Marta Emília de Souza
Legenda foto 1: Teaser de uma das ilustrações de Herbert Loureiro
Legenda foto 2: o ilustrador Herbert Loureiro. Crédito: Vanessa Mota