Eu não sei você, mas para mim o ato de abrir gavetas e revisitar histórias e memórias passadas, me traz um enorme conforto. Engraçado, não!?! Quando algo não vai muito bem, é no passado que busco consolo e proteção. Então, recordo-me e apego-me à beleza que vem junto com o vagar do tempo: a casa dos pais, o bolo da vó, a fotografia da infância, o móvel antigo, a poesia que habita as lembranças, a criança que fomos e ainda somos internamente.
Essas lembranças trazem aconchego e segurança. Agora, sabia que há um tipo de comida que tem esse poder de nos remeter ao passado e trazer para o presente aquela sensação gostosa de lar, de segurança, de afeto, de mimo, de colo?
Isso é possível porque o alimento não atende apenas uma necessidade biológica, mas também cultural e social. Assim, comida é “memória e afeto, é história e patrimônio; permeia todas as culturas e muitos rituais”.
O que é comfort food?
A partir dessa perspectiva da afetuosidade, surge o conceito de comfort food, que consiste em designar aquele alimento ou bebida que alia sabor à recordação. São alimentos que estão vinculados a uma nostalgia alimentar, valorizando aspectos culturais e emocionais relacionados ao ato alimentar.
Segundo Julie Locher, o termo comfort food foi incorporado ao vocabulário gastronômico, tendo sua primeira menção em dicionários americanos na década de 1990. Dessa forma, na descrição incluída no Oxford English Dictionary, em 1997, o verbete comfort food é um “alimento que conforta ou dá amparo; qualquer alimento (frequentemente com um alto teor de açúcar ou carboidratos) que está associado com a infância ou com tempero caseiro”. No Brasil, esse conceito é conhecido como “comida conforto” ou “comida de afeto”.
Semelhantemente, a Nina Horta, em seu livro de crônicas “Não é sopa”, definiu o termo “Comida de alma” como “aquela que consola, que escorre garganta abaixo quase sem precisar ser mastigada, na hora da dor, de depressão, de tristeza pequena. Não é, com certeza, um leitão à pururuca, nem um menu nouvelle seguido à risca. Dá segurança, enche o estômago, conforta a alma, lembra a infância e o costume.”
Quem não se lembra “do leite quente com canela, do arroz-doce, dos ovos nevados, da banana cozida na casca, das gelatinas, do pudim de leite”? Isso é comida de alma.
Sabe aquelas receitas que ficam guardadas na memória? Que resistem ao tempo simplesmente porque expressam momentos vividos junto a pessoas queridas? Isso é comfort food. É a possibilidade de recobrar o sentido do encontro e do afeto que os alimentos carregam.
Comfort food está intimamente relacionado às experiências pessoais de cada indivíduo, pois o “paladar é muitas vezes a último aspecto cultural a se desnacionalizar”. Assim, a escolha por determinados alimentos é fruto de uma percepção singular obtida das vivências e do repertório alimentar. É algo individual, pois cada um tem aquela comidinha de memória, aquela que resgata o sabor da comida caseira, o cheirinho de café coado na hora ou ainda o bolo de fubá cujo aroma perfuma a casa toda. Assim, o alimento se torna um catalizador de memórias, sentidos.
Comfort Food e suas categorias
- Comidas nostálgicas: foram associadas a pessoas que estavam temporariamente desconectadas de suas famílias ou de sua terra natal. Em tais situações, consumir comidas ligadas ao passado do indivíduo pode reparar esta desconexão e manter uma continuidade com a identidade em um contexto não familiar. As associações mais comuns são a lembrança de ser cuidado por alguém e as refeições compartilhadas com pessoas queridas.
- Comidas de indulgência: são associadas a situações em que preocupações relativas aos aspectos nutricionais ou ao valor de determinados alimentos ou bebidas são deixados de lado, privilegiando-se o prazer que será obtido ao consumi-los. Estas exceções muitas vezes geram sentimentos posteriores de culpa – principalmente se a ingestão se dá em grande quantidade – mas são motivadas pela criação de um sentimento de segurança e de recompensa diante de uma situação percebida como triste, angustiante ou altamente desagradável.
- Comidas de conveniência: são aquelas cujo principal critério de escolha é a possibilidade do acesso e consumo imediato. Nesta categoria a associação entre conforto emocional e a praticidade é essencial, e é possível perceber uma série de substituições incentivadas pela indústria alimentar. Julie Locher observa que isso se dá por duas razões: ou porque o sujeito em questão foi criado em um contexto onde a industrialização alimentar já estava consolidada, ou porque o indivíduo substitui por comodidade o produto caseiro por um similar industrializado.
- Comidas de conforto físico: são aquelas cujas características físicoquímicas – como composição, temperatura e textura – proporcionam ao indivíduo um bem estar físico, além do emocional. Em sua definição de “comida da alma”, Nina Horta indica a facilidade na mastigação e a temperatura morna como atributos importantes. A pesquisa de Julie Locher identificou nessa categoria bebidas alcoólicas, além do chá e do café. Em termos de comida, no entanto, o maior número de citações foi destinado ao chocolate e às preparações em que ele é o ingrediente principal.
Ou seja, são aqueles alimentos que evocam um estado de conforto psicológico e de prazer. Trata-se de um alimento que nos remete a boas lembranças de pessoas, momentos e lugares. O alimento, por meio de seus sabores e odores, tem o poder de ativar um gatilho que desperta toda a carga simbólica que ele representa. Assim, nos permite fazer uma viagem a bons e velhos momentos que guardamos com carinho na lembrança e que por vezes ficam adormecidos.
Comfort food, muitas vezes, é mais do que alimento, é quase um abraço. Nesses momentos, recorra a um chazinho, a um mingau ou a uma sopinha… àquelas comidas que têm um vínculo de bem querer, de afeto. Esses alimentos tranquilizam e acolhem. Isso é comida de alma…, da alma… ou com alma. Acho que, na verdade, tudo isso é comida de amor.
Referência: Gimenes-Minasse, M. H. S. G. Comfort food: sobre conceitos e principais características; Horta, N. Não é Sopa.
Uma eterna estudante, apaixonada pelas linhas: as escritas e as bordadas. Compartilha sua paixão pela etiqueta como uma forma de espalhar pequenas gentilezas e delicadezas pelo seu caminho.
Tem como propósito disseminar a etiqueta como uma ferramenta inclusiva capaz de potencializar as conexões humanas.