O Dia das Bruxas ou Halloween tem povoado cada vez mais o nosso imaginário e dado o tom às nossas comemorações, sobretudo nesse período de limbo comemorativo que se dá entre o dia das crianças e o Natal. Entretanto, o reino das bruxas encontra-se ameaçado, pois o Saci, traquino e criativo, aparece na cena para disputar seu posto e desafiar essa celebração importada.
Aqui, duas manifestações folclóricas se contrapõem: uma genuinamente brasileira e outra estrangeira. Defensores de cada corrente engatam discursos inflados a fim de defender seu encantado preferido. Mas, é importante lembrar que todas as culturas têm os seus seres fantásticos. Será que esses seres não podem coexistir em um mesmo espaço?
Por que bruxas e sacis não podem simplesmente conviver harmoniosamente no dia 31 de outubro?
Precisamos realmente escolher um?
Pregamos tanto a importância e o respeito de valorizar opiniões e posicionamentos diferentes, eis aqui uma forma de destacar a necessidade do diálogo e da inclusão. Vivemos a era da diversidade, sobretudo a diversidade cultural. Negar a pluralidade seria uma forma de reafirmar uma sociedade intolerante ao diferente. E, acredito que a única certeza que temos é que somos todos diferentes.
Nossas tradições populares, tão ricas e variadas, são a referência do que é verdadeiramente nacional. Não há dúvidas de que valorizar e (re)descobrir as tradições é a forma que temos de melhor conhecer nossa cultura, revelando a essência da nossa terra e da nossa gente. A cultura popular é um elemento fundamental à identidade de um povo: não dá para ser o que não somos, pois isso traz o desconhecimento de nós mesmos. Além disso, antes de ser global é preciso enxergar o local.
Paralelamente, declarar guerra às bruxas, às abóboras e aos vampiros, que de certa forma também têm se incorporando ao nosso repertório cultural, talvez seja criar um embate, uma resistência desnecessária. Ou, para alguns mais extremistas, isso seria uma forma de preconceito, ou pior, de xenofobia.
A representatividade simbólica do saci é indiscutível. Principalmente, pela sua conduta inventiva e imaginativa que retrata a cara do Brasil. O saci, o anti-herói, representa o nosso “jeitinho brasileiro”. Esperto e engenhoso, ele que cria formas diferentes e inusitadas de enfrentar as adversidades. Esse perfil retrata bem o lado flexível e criativo do jeitinho brasileiro que se reinventa no enfrentamento da lida diária. Isso é o lado positivo do nosso “jeitinho”! Aliás, essa é uma marca brasileira.
Todavia, defender nossas tradições e costumes não é negar e marginalizar o importado. Para alguns se fantasiar de bruxa é uma submissão ao colonialismo, mas será que se fantasiar de saci é um atestado de brasilidade?
Para além da escolha entre bruxas e sacis, já que ambos permeiam nosso imaginário, acredito que o mais importante é aprender a lidar com o simbolismo e as possibilidades que cada manifestação representa. Afinal, “é no campo simbólico que bruxas importadas e sacis politicamente incorretos encontram-se”.
Desenvolver a capacidade de extrair do simbólico (dos contos tradicionais, de fadas e orais do folclore brasileiro e de outras culturas) as referências para inspirar comportamentos, ensinamentos, exemplos e virtudes é o mais importante.
Nesse contexto, a liberdade e contradição pontuam essa escolha, se é que é preciso escolher. Todavia, esses são componentes essenciais para desenvolver senso crítico e autonomia não apenas para optar por bruxas ou sacis, mas sim para fazer escolhas de vida mais sensatas.
Portanto, vida longa a todos os seres encantados que não podem ser “esquecidos, adormecidos, exilados nem queimados”.
Uma eterna estudante, apaixonada pelas linhas: as escritas e as bordadas. Compartilha sua paixão pela etiqueta como uma forma de espalhar pequenas gentilezas e delicadezas pelo seu caminho.
Tem como propósito disseminar a etiqueta como uma ferramenta inclusiva capaz de potencializar as conexões humanas.