De acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Instituto ETHOS, apenas 8% das companhias brasileiras promovem ações para afrodescendentes.
A Filhos no Currículo, consultoria que auxilia empresas na criação e na revisão de políticas parentais, e o coletivo Pais Pretos Presentes, rede de apoio para todos que lidam com o desafio de criar ou educar pessoas pretas, se unem para criar o primeiro programa sobre a criação de filhos antirracistas nas organizações. A parceria inclui programas que capacitam lideranças e seus colaboradores a não só refletirem sobre a diversidade dentro do ambiente de trabalho, mas também dentro de suas casas.
Para Camila Antunes, cofundadora da Filhos no Currículo e especialista em parentalidade, criar filhos antirracistas é formar pessoas e futuros profissionais que terão a diversidade e a inclusão internalizadas desde sua formação.
Entre as propostas do programa está a criação de pautas que sejam sustentadas no ambiente de trabalho, que incitem os colaboradores a transmitir para seus filhos ou enteados assuntos como a ancestralidade africana, oportunidades de acesso e permanência em cargos para negros, espaços e oportunidades de poder, decisão e crescimento profissional, além do envolvimento de pessoas não negras na luta contra comportamentos, expressões e posicionamentos racistas. Segundo Camila, pesquisas, trilhas de conteúdo e rodas de conversas com especialistas serão utilizados para trabalhar o conteúdo.
Para Humberto Baltar, cocriador do Pais Pretos Presentes, a palavra de ordem é intencionalidade. “Uma empresa que dá palco para esse tipo de discussão está trazendo essa intencionalidade para a vida dos colaboradores, principalmente os brancos, que talvez nunca tenham considerado o assunto dentro de suas casas”, destaca.
Criar NA diversidade
Baltar frisa a relevância de criar filhos NA diversidade e não PARA a diversidade. Ele conta que é comum aos pais abordar o racismo apenas quando a criança presencia alguma situação de preconceito, quando o caminho seria estimular a conversa no dia a dia.
“Os pais não sabem onde buscar material e referências sobre o racismo, que sejam base para uma conversa em casa, e nem se sentem preparados para dialogar sobre isso. Também não buscam orientação diretamente com pessoas pretas de como tratar o assunto. Inclusive, muitos pais pretos ou de crianças pretas jamais receberam informações sobre ancestralidade africana em suas vidas”, explica.
De acordo com os parceiros da Filhos no Currículo e do coletivo Pais Pretos Presentes, um dos objetivos da iniciativa será motivar esses pais de crianças, sejam elas brancas ou pretas, a estimular o acesso delas a conteúdos que trazem personagens pretos em papel de protagonismo já que, quando aparecem, normalmente são em papéis secundários ou menos importantes.
“Tratar o assunto por meio de músicas, livros, filmes, peças de teatro ou de uma história antes de dormir vai permear o imaginário dos nossos filhos, principalmente até os seis anos de idade, quando eles ainda não têm criticidade para uma conversa mais aprofundada. A partir dessa idade, já é possível expor que existem diferenças na forma em que brancos e pretos são tratados pela sociedade, além disso, tornar claro para as crianças pretas seu espaço de poder e decisão no mundo, e ensinar filhos brancos a questionarem e a defenderem abordagens racistas quando acontecerem com seus amigos pretos”, destaca Camila.
Baltar aponta a necessidade de verificar se a escola do seu filho possui temáticas étnico-raciais e de diversidade na grade escolar, sobretudo sobre a história e a cultura afro-brasileira e africana, e outras referências, que não sejam apenas a escravidão – a Lei 10.639/03, de 2003, estabelece obrigatório o ensino de “história e cultura afro-brasileira” nas
“Cerca de 72,9% de desempregados no Brasil e 71,7% dos jovens fora da escola são negros (IBGE). Isso precisa ser mais abordado como uma pauta dos gestores. Um problema estrutural e multifatorial, como o racismo, demanda uma solução interdisciplinar e intersetorial, envolvendo as famílias, escolas, órgãos independentes e as empresas. Temos expectativas altas quanto ao interesse das lideranças em tratar o tema com um olhar abrangente, envolvendo os colaborados e a responsabilidade delas na criação de futuros brasileiros antirracistas”, frisa ele.
“Parentalidade é um caminho para tratar todos os assuntos e dilemas que permeiam a sociedade, afinal, quem não tem filhos, é filho de alguém, ou convive com crianças. Portanto, é um assunto que toca todas as pessoas. Estamos falando de um dos caminhos pelo qual as empresas podem tratar pautas sensíveis como machismo, equidade de gênero, inclusão de pessoas com deficiência, além, é claro, de racismo – tema ainda pouquíssimo presente nas pautas corporativas já que apenas 8% das empresas brasileiras promovem ações voltadas para afrodescendentes, segundo a pesquisa BID. São temáticas fundamentais que precisam ser levantadas dentro das organizações”, completa Camila.