Relato de parto: Leila Manuela

Foto: @byrhuanny
Nascimento do Bento

Antes mesmo de estar grávida eu já tinha meu plano de parto todo montado mentalmente, sempre soube como eu queria que meu filho viesse ao mundo, pois estudo sobre parto já há alguns anos. Durante a gestação fiz questão de ensinar e explicar para minha família sobre a fisiologia da gestação e do parto, pra que eles entendessem e me ajudassem da melhor forma possível. Todos foram muito compreensivos comigo, respeitaram minhas escolhas e entenderam a importância de cada uma delas, principalmente da necessidade da presença da Doula.

Graças a Deus tive uma gestação muito tranquila, sem muitas dores, sem complicações. Trabalhei até o último momento com as minhas gestantes no Pilates e na fisioterapia, só que no finalzinho da gestação, junto com as contrações de treinamento, fiquei gripada, com uma tosse que não passava, acho que foram duas ou três semanas tossindo. Tive consulta com obstetra e iniciei uma medicação para a gripe e também antibiótico.

Até que no dia 30 de maio, uma quinta-feira, com 37+3 semanas de gestação, às 20h, minha bolsa estourou e junto com ela perdi o tampão mucoso. Não tive contração dolorosa, apenas perdi um pouco de líquido claro.

Foto:@byrhuanny

Falei com a Fernanda, a minha Doula, e contei como estava. Comecei a tomar bastante líquido e fui descansar. Passei a sexta-feira descansando com alguns episódios de perda de líquido e algumas contrações leves e bem espaçadas. A Fernanda foi me visitar a noite pois já tínhamos combinado de fazer a despedida da barriga, mas antes disso fomos juntas numa consulta com a enfermeira obstétrica Bárbara Oliveira. Lá conversamos, fui avaliada, bebê auscultado e tudo estava bem. Ela foi maravilhosa comigo! Recebi várias orientações, principalmente sobre a ingesta de líquidos e observar a movimentação do bebê.

Voltamos pra casa e fizemos a despedida da barriga, foi um momento bem emocionante pra todos nós, fiquei muito feliz com o carinho que recebi da minha família e nessa noite eu dormi bem tranquila e sem nenhum incômodo.

No sábado continuei o dia todo do mesmo jeito, bebendo bastante líquido, de repouso, sentindo o Bento mexer sempre, com contrações pouco dolorosas e bem espaçadas ainda, mas pela noite resolvi ir na maternidade pra ser avaliada novamente. Durante a consulta contei que minha bolsa tinha estourado há poucas horas pois como eu ainda não estava em trabalho de parto ativo (não estava com contrações ritmadas) não queria ser internada e acabar entrando numa cascata de procedimentos que terminariam numa cirurgia. Na avaliação foi realizado o toque e eu estava com 2 cm de dilatação, ausculta boa, mas com perda de líquido ainda, então a médica disse que queria internar, como eu havia imaginado. Questionei quais seriam os procedimentos após a internação, já que eu não estava em trabalho de parto e ela disse que eu iria aguardar um pouco e iniciaria antibióticos e indução. Lembrei a doutora que já estava tomando antibióticos (para gripe) e que preferia esperar em casa. Pedi pra ela me liberar e voltei para casa.

Domingo acordei com dor às 4h da manhã e comecei a cronometrar o intervalo das contrações. Uma contração a cada 40 minutos mais ou menos, de intensidade leve, e ficou assim até umas 8h da manhã. Conversei com a Nanda e ela estava em um parto com a Dra Isabela Agra na maternidade, então me chamou pra ser avaliada por ela lá (outro anjo na minha vida. Gratidão!). Ausculta boa, dilatação sem alteração, saí de lá com orientação de observar os movimentos do bebê (mobilogama), a dinâmica uterina, minha temperatura e continuar a ingestão de água. Continuei o dia em repouso, tomando muita água e sendo bem cuidada pela minha família. As contrações ficaram mais ritmadas e doloridas domingo de tardezinha. 1 contração em 10 minutos, com duração de 30 segundos. Estava começando então.

Passamos a noite de domingo pra segunda assim: dormindo sentada na cama, sentia uma contração e acordava e logo em seguida dormia, mas chegou um momento em que o tempo entre cada contração diminuiu um pouco e eu não estava mais dormindo, comecei a ficar ansiosa e abri o aplicativo de marcar as contrações (eu sabia que isso traria ansiedade, mas eu estava curiosa pra saber a dinâmica uterina naquele momento). Assim que amanheceu comecei a falar com a Nanda e umas 9h ela chegou e ficou comigo até umas 14h, nesse meio tempo eu já estava sentindo umas contrações bem doloridas, mas ainda espaçadas e Nanda como sempre um anjo, me ajudou com algumas posturas, acupuntura, fiquei na bola, rebolei… Depois de um banho bem quentinho e demorado as contrações diminuíram. Nanda foi embora e eu dormi a tarde inteira.

Segunda de tardezinha acordei com contrações mais fortes e mais ritmadas, liguei o apllicativo novamente, mas dessa vez eu entreguei para Mateus, meu companheiro, e ele ficou comigo contando as contrações que dessa vez vieram com tudo. Fiquei na bola, fiquei na cama, quatro apoios, agachada, sentada, toda posição trazia alívio no início, mas depois já dava vontade de mudar por conta da intensidade da contração que estava aumentando consideravelmente.

E que loucura essa “dor”. Não é dor, sério! Eu sentia um aperto, um incômodo e logo em seguida parecia que nada tinha acontecido. Meu conceito de dor mudou bastante depois de tudo isso… Eu não costumo sentir cólica menstrual, então essa conversa de “é como se fosse uma cólica mais forte” não rolou pra mim, a cada vez que o útero contraía a definição racional que me vinha era de aperto, de um esforço sendo feito, de espaço apertado e alguma coisa (o Bento) desconfortável e aí eu ficava agoniada pra ajudar. Eu só queria ajudá-lo a passar por isso.

Cada pessoa vai sentir de um jeito, claro! Pra mim foi assim… e eu pensava o que eu posso fazer pra ajudar? Tenho que relaxar, deixar meu corpo trabalhar… e realmente é bem difícil. Por isso é tão importante ter pessoas do seu lado pra te dar suporte nessa hora e te lembrar da importância de respirar, de relaxar e deixar o corpo agir. O Mateus e a Fernanda foram essenciais! Sem eles eu teria seguido pra cesárea, com toda certeza do mundo!

Foto: arcevo pessoal

Até às 19h as contrações aumentaram de uma forma, que eu não estava querendo conversa com mais ninguém. Eu só conseguia respirar e esperar pela próxima, nessa hora eu já estava com 3 contrações longas em 10 minutos, ou seja, já não estava tendo muito descanso, então decidimos ir pra maternidade. Chegando lá fui logo avaliada pela obstetra do plantão e estava com 6 cm de dilatação. Às 21h subi pro meu quarto, meus pais e Fernanda chegaram, e a partir daí eu comecei a me sentir segura novamente pra esquecer do mundo e voltar para mim. Tomei um suco e fiquei na bola, as contrações estavam bem fortes nessa hora, aí eu vi que o lugar estava tomando forma pra receber o Bento.

Fernanda tinha ligado um difusor aromático, as luzes se apagaram e só tinha a gente no quarto, foi aí que eu chorei… de felicidade, ansiedade, contração, medo, amor, contração de novo, gratidão, um mix de sensações que não dá pra descrever. Em seguida eu fui pro chuveiro quente, fiquei lá sentada na banqueta e pronto. Depois disso eu só lembro de flashes! Lembro da minha playlist tocando, das massagens, em alguns momentos alguém vinha auscultar o Bento, lembro do som da minha respiração, lembro de estar sentada na maca e só querer ficar ali e mais nada por um bom tempo, cheguei a dormir entre as contrações. Até que em algum momento da madrugada chegou uma enfermeira e disse: “a médica quer avaliar você lá embaixo”. Até hoje não sabemos ao certo o que aconteceu, mas me vi sentada numa cadeira de rodas saindo do meu quarto com minha mãe beijando minha cabeça e dizendo: “Deus abençoe!”

Eu só percebi que estava indo pra sala de cirurgia porque eu reconheci o local e porque disseram pro Mateus ir trocar de roupa… Quando me dei conta que estava indo pra cirurgia eu “acordei” de um transe, encontrei a médica e perguntei o que eu estava fazendo ali e ela respondeu que iria fazer a cesárea, questionei o motivo e a resposta foi que eu tinha solicitado (?). Comecei a sentir medo, que até então esse sentimento não existia dentro de mim, mas quando eu me vi no centro cirúrgico o medo apareceu e aí, meus caros, conhecem o ciclo da dor? Medo, tensão, dor? Lembro do momento que saí procurando Mateus e disse pra ele não trocar de roupa, fiquei do lado dele por conta das contrações (ninguém me ajudava, só olhava ou então fingia que nada estava acontecendo e isso também foi me deixando com raiva). Entre uma contração e outra eu disse que não queria cesárea, que eu só estava ali pra ela me avaliar e pronto. Assim foi feito. Nesse momento também foi feita a ausculta e estava tudo bem. Estava com 8 cm de dilatação.

Fiquei tão feliz que nem quis saber de papo com ninguém, pedi pra ir pro meu quarto. A resposta da médica foi que já fazia muito tempo que eu estava de bolsa rota, que meu filho poderia entrar em sofrimento e ela não iria se responsabilizar! Mas poxa! Eu já estava com 8 cm! Custava esperar um pouco mais? Depois desse tempo todo ir pra cirurgia? Não! No fim, voltei para meu quarto, com dor. Sim, estava doendo muito na lombar, no baixo ventre, em qualquer posição doía. Mas os 8 cm ficavam passando na minha cabeça o tempo todo, “já tá pertinho” era só o que eu pensava pra conseguir me tranquilizar.
Chegando no quarto encontro todo mundo sem saber o que estava acontecendo. Mateus contou toda a situação e eu fui ficando ansiosa, com mais medo, mais dor. E então surgiram as opções: induzir com ocitocina ou cesárea. Pelo pouco que eu estava entendendo eu estava evoluindo muito devagar, mas pra mim o tempo estava ok.

Não lembro quem sugeriu a cesárea, só lembro que eu estava com muita dor, estava difícil respirar, conversar e estava vendo todo mundo cansado. Hoje sei que naquele momento eu já estava “destruída”, sentindo dor, e sendo pressionada psicologicamente pela médica com o argumento de que meu filho poderia entrar em sofrimento. Fiquei no quarto sozinha com Mateus pra gente conversar e decidir o que eu faria. Lembro que eu disse: “Se vocês acham que eu não estou bem e que eu não aguento então vamos pra cirurgia. Eu não sou contra a cesárea, só não quero que ela seja desnecessária”. Fiquei muito abalada com a situação do centro cirúrgico. Isso me tirou a concentração, a minha energia já era outra. Só existia medo, tensão e dor. Nesse momento Mateus chorou dizendo que não aguentava mais me ver sofrendo. Todo mundo já estava exausto.

Mas eu só queria que alguém me desse uma faísca de esperança. Eu sabia que a decisão tinha que ser minha, ninguém poderia me dizer o que fazer nesse momento. Meus olhos nem abriam mais, era muita dor, partolândia, covardia, sei lá… foi um momento de fragilidade indescritível. Só sei que eu não aguentaria a dor da ocitocina então eu pedi a cesárea. A enfermeira foi chamar o maqueiro e eu pedi para ficar no chuveiro quente enquanto ele vinha me buscar. A água foi o que me fez voltar pra mim, lembrei da minha respiração, rezei, entreguei aquele momento nas mãos de Deus e continuei respirando enquanto o maqueiro chegava.

Ficar no chuveiro quente foi o melhor método não farmacológico de alívio da dor pra mim. Não sei ao certo quanto tempo eu fiquei ali, mas chegou um momento que minha percepção da dor foi mudando e eu comecei a sentir vontade de fazer cocô. Aí fui pro vaso, e na minha cabeça eu só pensava que quando a gestante sente vontade de fazer cocô é porque o bebê já está pra nascer. É muito real essa sensação! E outra, eu estava esperando o bendito do maqueiro chegar, não é?! Então nem cogitava mais em parir naturalmente.

Pois bem, chegamos no expulsivo e o que eu tenho a dizer sobre isso é: não dá pra raciocinar nessa hora!! É SURREAL! A partir desse momento eu só sentia vontade de fazer força, não tinha mais dor, incômodo, nada! Saí do vaso e fui sentar na banqueta de costas para o espaldar, me senti confortável lá e fiquei. Vi que a equipe de enfermagem já estava presente e minha irmã, a Nanda e o Mateus estavam comigo. Até que uma outra obstetra apareceu para assistir ao parto e disse: “Ah minha filha pode sair daí que eu não tenho joelho pra ficar aí com você não!” Continuei no mesmo lugar sem acreditar na presença desse ser, mas acabei indo pra maca (com o Bento coroando!) e fiquei de quatro apoios virada pra parede.

A cada contração eu gritava muito alto, nunca gritei tão alto em toda a minha vida! Foi muito instintivo e revigorante gritar naquele momento. Adrenalina lá em cima! Até que a obstetra disse: “Nessa posição eu não vou poder fazer nada por voce. Você vai ter que virar!” Aaahh! Que saco! Virei. Fiquei semi-sentada. Nanda estava de um lado, me lembrando de respirar, Letícia, minha irmã, estava do outro lado segurando minha mão, o Mateus do lado dela olhando pra mim com dois olhos enormes, e a obstetra na minha frente calçando as luvas.

Ela começou a massagear o meu períneo e veio uma contração. Gritei. Ela virou pra buscar algo e eu comecei a gritar novamente, dessa vez eu disse: “Não quero episio!! Não quero episio!!” Eu nem tinha visto o que ela tinha ido buscar, Nanda que disse baixinho no meu ouvido: é só gaze. Outra contração. Gritei. Ela disse: é isso mesmo pai? (Sim, ela pediu autorização a ele pra fazer a episiotomia!) Mateus respondeu: “Ela disse que não quer!” Outra contração. Gritei. Dessa vez eu senti o famoso círculo de fogo e a cabeça do Bento passou, quando eu fui colocar a mão pra sentir ela mandou tirar a mão. Outra contração e o Bento saiu!

Foto: Arcevo pessoal

Às 5:46 da manhã da terça-feira, no dia 04/06 com 38 semanas, 2,460kg, 44 cm, meu Bento nasceu! Que momento mágico esse! Nem parecia que um segundo atrás eu estava P da vida com a obstetra! kkkk Tudo sumiu e só existia eu e ele. Tão pequenininho, tão lindo, tão quentinho! Ele veio direto pro meu colo, chorou baixinho e ficou agarradinho comigo. Eu só conseguia olhar pra ele e assim ficamos um bom tempo. Minha mãe entrou no quarto e foi aquele chororô! Não demorou muito e ele já pegou o peito, na verdade, não pegou bem nesse primeiro momento, o que levou a minha primeira fissura já no final do dia.

A placenta foi retirada e a médica boazinha disse que lacerou um pouco e teria que fazer uns pontinhos. Agora vamos para o momento que eu senti mais dor em todo esse processo!! Foram poucos pontos, mas doeu muuuuuito! E depois disso tudo foi se tranquilizando. Meu pai chegou, tiramos fotos, sorrimos, conversamos, agradeci a todos que estiveram comigo e então eles começaram a ir embora. Ficamos só nós 3. Agradeci a Deus por termos conseguido. Bento estava dormindo no meu colo. Meu presente de Deus estava comigo e era tudo que importava naquele momento!

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