Todos os dias, após voltar do colégio, João respeitava a rotina de sentar ao computador, acessar sua conta no Orkut e entrar no MSN. Ficava por horas conversando com seus amigos e iniciando novas amizades, esquecendo de estudar, comer e, às vezes, até de dormir. Os verbos conjugados no pretérito e as redes sociais citadas afirmam que este fato não acontece em tempo atual. Aos 22 anos, hoje João Oliveira tem graduação superior, atua no mercado de trabalho e utiliza seus perfis com mais moderação.
A cena relata um cotidiano que se repetiu por cerca de cinco anos, de 2007 a 2011, no universo paralelo em que João dedicava boa parte do seu tempo. Ele tinha um fake – perfil em que fotos de celebridades ou de anônimos populares mascaram a real identidade e socializam com outras pessoas com perfis semelhantes – e lá, contatava diariamente os desconhecidos que se tornavam, então, parte da sua vida. Em sua conta pessoal, participava ativamente de comunidades em homenagem a artistas, onde também criou laços de amizade. “Nesse período, conheci diversas pessoas em todo Brasil. Alguns mantenho contato até hoje. Sempre que viajo para algum estado, tenho um ou outro conhecido que marco para nos encontrarmos”, conta.
Criar amizades virtuais (relacionamentos apenas via internet) é um ato mais comum do que se imagina. Uma pesquisa da MTV Networks apontou que os brasileiros entre 14 e 24 anos têm, em média, 46 amigos nessa condição. A grande questão é a procedência desses desconhecidos.
“As pessoas que levo comigo resistiram ao tempo e às dúvidas. Claro que me pegava pensando quem e como eram elas por trás da tela, e já esbarrei com casos em que eram realmente uma farsa: na hora de revelar a identidade, mentiam. Hoje consigo reconhecer com facilidade alguém mal intencionado nos sites de relacionamento com poucos momentos de conversa e observação. Por isso não tenho medo de marcar um encontro com aqueles que acompanho há anos”, diz João, que namora a distância uma dessas pessoas que conheceu pelo Orkut.
Embora cauteloso, a atitude dele não é segura. Psicólogo do Hapvida Saúde, Charlles Albuquerque, aponta que redes sociais são ambientes para se relacionar com pessoas conhecidas. “Nem sempre o que está ali é real. As pessoas podem se passar por outras completamente diferentes e são bem convincentes”, conta o profissional, que orienta um policiamento dos pais aos mais jovens. “Invadir a privacidade deles não é a melhor abordagem, mas uma vigilância discreta do que ele faz e com quem conversa não faz mal. Ter uma relação aberta e saber conversar com o filho ajuda muito”, diz.
Segundo Charlles, quanto mais puder retardar o acesso às tecnologias, melhor. “Tem idade para tudo. Hoje o que vemos é crianças cada vez mais novas, com 7, 8 anos, já com um smartphone ou um tablet. É bacana que essas ferramentas sejam funcionais, como ajudar nas pesquisas escolares. No máximo manter contato com parentes, desde que restrito”, explica o psicólogo.
Para os adultos, também tem recomendação. Utilizar do bom senso e da discrição é essencial, afinal, evitar a exposição da família e preservar a intimidade é sempre saudável.
“Escolher bem quais conteúdos compartilhar na rede social faz com que você não abra espaço para que desconhecidos informem-se mais sobre você e sua família. Não poste localização nem fotos de crianças sem roupa, mesmo que ingenuamente. Você nunca sabe quem será o receptor da mensagem”, conta.
Isso é real?
Uma observação feita pelo psicólogo durante consultas é a comum confusão entre o real e a fantasia, casos que chegam a atrapalhar a sociabilidade das crianças e adolescentes. O fato de não conseguirem discernir a proposta de determinados jogos interfere no comportamento desses jovens, que transportam a violência aplicada no game para o dia a dia.
“Eles não conseguem diferenciar, se desligar do virtual. Já recebi mães se queixando do filho apresentar reações violentas, como vontade de matar as pessoas, por causa de um jogo em que era viciado”, revela o profissional do Hapvida Saúde. A orientação de Charlles é determinar a frequência e a intensidade do acesso, e conversar com eles para que esses horários sejam respeitados. “Tanto o excesso quanto a carência são prejudiciais. A dosagem é o equilíbrio perfeito”, finaliza ele.
Postado por Raíssa França