“De uma forma suave, você pode sacudir o mundo.”
-Mahatma Gandhi
Quando falamos de moda como protesto, é comum pensarmos em peças de roupas que foram contra os ideais conservadores da época, dessa forma, se tornaram símbolos de revoluções, principalmente feministas. Quando provocados a refletir sobre, lembramos de casos mais recentes como a minissaia, a qual protestou a favor da liberdade de expressão da mulher e o smoking feminino, que buscou trazer uma imagem autoritária e independente da mulher etc.
Historicamente, as mulheres têm utilizado a roupa como protesto. No século XV, encontramos a personalidade de Joana D’arc, que aos 17 anos liderou um exército e ganhou uma guerra contra os ingleses. É fato que ela passou a se vestir com roupas masculinas a partir dessa missão, porém o porquê é discutido até hoje. Existe a teoria de que eram apenas mais confortáveis e adequadas para as batalhas, existem relatos que Joana dizia ser um pedido de Deus e há teorias de que ela passou a se vestir assim para não ser estuprada. Independentemente de qual seja a resposta certa, sabemos que foi considerada herege e esse foi um dos motivos de ter sido levada à fogueira.
Mais tarde, no século XX, é onde encontramos as tais revoluções mais conhecidas. Porém, eu diria que a mais importante deste século aconteceu quando Gandhi queimou os tecidos britânicos exportados para a Índia e passou a tramar seu próprio tecido, esse foi um dos, senão o principal ato responsável pela independência indiana. Seu protesto silencioso de apenas incentivar alguns seguidores a tramarem seus próprios tecidos foi de uma enorme importância política e um exemplo primordial de como a moda pode ser uma forma de protesto.
Esse movimento de Gandhi, consequentemente, deu origem a um tecido chamado khadi. As matérias-primas podem ser algodão, seda, ou lã, que são fiadas em fios em uma roda chamada de charkha. Hoje em dia, o khadi ainda carrega esse sentimento de revolução e é conhecido como “o tecido da liberdade”. Comercializado por algumas marcas a exemplo da Issey Miyake, a qual vem trabalhando com defensores do tecido desde os anos 80, produzindo uma série de roupas chamadas de “um diálogo com a cultura indiana”, é demandado por um público seleto e exigente.
Mais recentemente, nos anos 60, encontramos diversos movimentos políticos que têm peças de roupas como símbolo. O movimento hippie, por exemplo, surgiu como uma forma de protesto contra as guerras dos Estados Unidos com o Vietnam. Símbolos como flores, cabelos grandes, bandanas e roupas folgadas foram totalmente contra a ideia rígida e viril imposta pelo exército com sua demanda para alistamento.
Ainda nos anos 60, quando também ocorreram diversos movimentos feministas, surgiram itens como a minissaia, popularizada por Mary Quant, que na época chegou a ser um insulto aos bons costumes da família tradicional americana e o smoking feminino lançado por Yves Saint Laurent, que trouxe simbolicamente os direitos conquistados pelas mulheres para moda. Ou seja, itens que são mais que habituais hoje em dia, há apenas 50 anos eram considerados pura vulgaridade e heresia.
Os integrantes da comunidade LGBTQI+ são vistos como exemplos de expressão através da moda, atualmente vemos constantemente drag queens e androginia na mídia, porém, isto é uma conquista muito recente. É importante ressaltarmos que em 1969 aconteceu uma revolta em Nova York que quebrou as barreiras da heteronormatividade americana. A revolta de Stonewall foi um acontecimento em que a polícia invadiu o bar LGBTQI+ e violentou as pessoas da comunidade que o frequentavam. Neste dia, a comunidade resolveu reagir e isto posteriormente cresceu para dias de protestos e subsequentemente, deu origem as paradas LGBTQI+. Foi com este movimento e outros símbolos influentes que esta comunidade passou a sentir-se um pouco mais livre para expressar-se através de uma moda completamente fora dos padrões heteronormativos.
Outro movimento de grande importância dessa época foi o ativismo negro, quando a população conquistou diversos direitos civis e estabeleceu seu lugar na sociedade. Em busca de recuperar suas raízes, a África renasceu na América – através de jóias, estilos de penteados, estampas afro – deixando de esconder suas origens e passando a exibir suas culturas, rejeitando assim padrões de beleza euro-centrados. Podemos destacar os Panteras Negras que, atualmente retoma seu lugar com referências de diversos artistas como Beyonce, Kendrick Lamar e Kanye West.
Hoje no século XXI, cada vez mais, os criadores de moda estão usando seu poder para mudar os ideais ultrapassados da sociedade. Um grande exemplo disto é Rihanna Fenty. A artista começou sua carreira muito jovem como cantora pop. Após longos anos de carreira se estabeleceu como um dos ícones mais tocados nas rádios e premiados no mundo. No auge de sua carreira musical, decidiu criar a marca de produtos de beleza FentyBeauty, onde foi a primeira a oferecer 50 tons de cores para diferentes tipos de pele. Em seguida, lançou uma marca de lingerie para mulheres de todos os corpos e cores: Savage X Fenty. Em maio de 2019 lançou sua marca de roupas Fenty, onde busca incluir minorias em todos os setores da moda como, por exemplo, quando uma modelo grávida estreou em um desfile da marca. Rihanna demonstra sua real preocupação com minorias em todos seus trabalhos, logo, aderir produtos Fenty é uma forma de apoiar a causa desta mulher que tanto luta por representação e inclusão na sociedade.
A lista de como se posicionar através da moda é grande. Podemos citar ainda o consumo de fast fashion – roupas que são produzidas em massa e vendidas por preços muito baixos. Essas marcas, em sua grande maioria, senão todas, foram acusadas de utilizar trabalho escravo ou semiescravo em sua produção, mal distribuição de renda na empresa, danos tóxicos ao meio ambiente, morte de animais por peças como dentes, pele e couro. Buscar alternativas de consumo como marcas slow fashion, brechós, produções locais também é uma forma de protesto contra o mercado que assume, ou assumia, que o consumidor não é ciente de tais práticas, logo não se importa.
Em conclusão, percebemos que todos estes movimentos buscavam desestruturar conceitos datados sobre temas supersticiosos como o corpo, a sexualidade, a cor etc. Apesar de não protagonizar, a moda esta sempre inserida de alguma maneira, mesmo que passe despercebida. A moda pode ser entendida como um reflexo inconsciente de tais acontecimentos. Ainda hoje, existem tabus sociais em relação ao que devemos vestir. Seja relacionado a gênero, classe social, tipo de corpo, pele ou cabelo. Apenas o ato de você buscar ter autoconfiança para vestir o que se tem vontade e encarar os julgamentos, também é uma forma de manifestação contra esses ideais impostos no nosso inconsciente coletivo. Por tais motivos, acredito que de uma forma suave, a moda pode sacudir o mundo.