Há alguns anos, enquanto empacotava minhas coisas e desfazia meu quarto para ao dar início ao intercâmbio cultural, sentia um alívio; era como se estivesse apagando todas as más lembranças através de roupas e objetos à medida que os deixava para trás. Doei quase tudo; parte para minhas irmãs (quem tem irmã sabe a dor e a delícia de dividir o guarda-roupa), e parte para uma casa de caridade. E assim embarquei rumo ao até então desconhecido: com a mala quase vazia e o coração quase explodindo de ansiedade.
Com as viagens, aulas, eventos e afins, – como todo bom intercambista -, acumulei uma porrada de souvenirs, livros e tralhas que nada mais são do que como uma espécie de eternização dos momentos vividos. Como toda boa mulher na terra do consumismo (morava nos Estados Unidos), refiz o guarda-roupa e confesso que me descobri uma senhora consumista, frequentemente justificando minhas compras com frases como, ‘’Mais uma blusinha não mata!”, ”Com certeza usarei esta peça direto”, ou “Talvez me acostume a usar este tipo de calçado”. Entre um pensamento e outro, na mesma linha dessas frases, comprei o mundo e fundo, como diria minha bisavó. Mais uma ilusão de que o material viria a eternizar a vivência no exterior.
Ao empacotar minhas malas para retornar para casa, precisei usar do desapego; NÃO é fácil, confesso. Revelei milhares de fotos, comprei vários livros – o que na realidade são dois dos meus vícios incontroláveis, abarrotei a mala de roupas, sapatos e lembrancinhas. Passei parte do meu processo final estressada. Preocupada com taxa de excesso de bagagem, com lembranças para minha família, em como organizar tudo para não deixar nada e cheguei à conclusão de que esse estresse não vale à pena.
As roupas um dia se esfarelam, os livros se desfazem e os souvenirs perdem a importância quando você demonstra por meio de atos e palavras a falta que aquela pessoa lhe fez enquanto você estava longe, que ela é realmente importante para você.
Doei, vendi, me refiz novamente. Resolvi fazer o mesmo que fiz há dois anos. Deixei na minha segunda casa as mesmas coisas que deixei em minha terra natal quando estava me preparando para a nova fase. Porque sim, é uma nova fase, mesmo que eu esteja voltando para a ”velha” cidade. Diminui o peso da bagagem, mas agora com uma certeza: o mais importante não é comprar o que vende no momento para, dessa forma, tentar eternizá-lo; é vivê-lo, pois assim tais situações se eternizam na mente, e nada nem ninguém o fará apagar dentro de você.
Dica aos que estão de mudança
Roupas – Aquela blusa favorita, companheira dos últimos anos anda de escanteio? Doe. Se você não tem usado com frequência, a chance de voltar a usá-la é mínima. Faça o mesmo com o restante que anda jogado de lado. Cada peça descartada, no final, faz uma enorme diferença.
Sapatos – Principalmente para a ala feminina, descartar sapato é algo que custa a ser feito. Sempre há aquele salto que você acha lindo, porém nunca usa porque estrangula seus dedos. Doe. Venda. Livre-se de todos os pares que você guarda porque acha lindo, porém mortal. Sapato ocupa muito espaço em bagagem, por isso sempre opte pelos confortáveis – que seja um pouco mais caro, mas que compense na hora de calçar.
Maquiagem – Você realmente precisa das milhares sombras, batons, bases e afins? Não, acredite! Invista em produtos específicos para sua pele ao invés de comprar vários e misturá-los. Ocupa mais espaço, dá mais trabalho e por vezes o final pode ser desastroso. Menos é mais, sempre.
Livros – Eu sei que abrir e folhear um livro é mil vezes melhor do que ler num eletrônico, mas para quem vive de mudança ou para quem precisa viajar com frequência, render-se à tecnologia neste ponto é mais lucrativo. Não digo para você se livrar 100% dos livros, mas aderir aos e-books lhe fará economizar espaço na mala.
Souvenirs – Não compre! Evite ao máximo, se não for vício. Tire fotos em boa qualidade e, quando escolher a cidade em que você viverá pela próxima década, revele e faça uma parede com as fotos de suas viagens. Souvenir é lindo, é charmoso, mas toma um espaço imenso na mala e você nem se dá conta.
No fim das contas você verá que além de espaço, com o desapego ao material você economiza, também, dinheiro e tempo. A gente sempre perde tempo ao escolher o que vestir antes de sair de casa. Por fim, sentir-se bem consigo mesmo não deve depender do que está na moda. Como já dizia Karl Max, “a desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta com a valorização do mundo das coisas”.
Flávia Motta é jornalista, tradutora e professora de idiomas. Nas horas vagas se arrisca a escrever nos idiomas os quais andou aprendendo nessa vida. É alagoana de nascimento e criação, e com orgulho, mas se considera passageira do mundo.