Quando o julgamento atropela as conversas

Foto: freepik

A premissa de que somos sempre inocentes até que se prove o contrário nasceu em 1798, durante a Revolução Francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Mas, passados esses dois séculos, parece que a máxima perdeu sua validade. Atualmente, estamos muito mais propensos a confiar nas assistentes virtuais, como a Alexa, do que em outros seres humanos de carne, osso e livre-arbítrio. Você sabia que 53% da população global não confia que ONGs, empresas, governo e mídia são capazes de atuar corretamente? No Brasil, 72% da população acredita que as autoridades governamentais são incapazes de contar a verdade, e 64% não confiam em líderes empresariais. Esse Índice de Confiança foi publicado no Edelman Trust Barometer de 2024 e, grosso modo, reflete a descrença em nossa própria raça.

Trazendo isso para o nosso pequeno microcosmo, já parou para pensar se esse padrão social não está impactando também a sua comunicação? Quanto de julgamento você tem levado para suas conversas no dia a dia sem perceber? Não precisa se constranger. Julgar faz parte da natureza humana. Desenvolvemos essa habilidade para analisar as situações e sobreviver, diferenciando o que é seguro ou não, o que é adequado ou o que pode colocar nossa autoestima em risco. A grande questão que nos coloca em apuros é quando fazemos isso de forma meramente emocional e pouco objetiva.

Para sermos assertivos na comunicação, precisamos distinguir a realidade baseada em fatos do nosso julgamento. Quer um exemplo? Imagine que um dos seus funcionários está com dificuldades em cumprir os prazos, e você está frustrada com o constante atraso na entrega dos relatórios de vendas. Sua intenção é fazer com que ele entenda o impacto disso nas decisões que você precisa tomar. Então, você começa a reunião afirmando que a desorganização está prejudicando a empresa. Essa afirmação pode desencadear uma série de reações: ele pode se sentir incapaz, envergonhado, irritado ou simplesmente te ignorar. O mais provável é que ele comece a vasculhar as próprias memórias para encontrar uma justificativa ou resgatar o dia em que entregou o relatório no prazo combinado.

Neste instante, vocês perderam a conexão da conversa e, muito possivelmente, ele não conseguirá absorver o que virá depois, já que toda sua energia estará dedicada a contra-argumentar sua opinião e apresentar a própria perspectiva da realidade. Em outras palavras, ele quer se defender.

Agora, imagine outra abordagem: “Eu notei que, nas últimas três semanas, você não conseguiu entregar o relatório no prazo que combinamos. Quando isso acontece, eu tenho menos tempo para analisar os dados, e isso me deixa insegura e ansiosa sobre as decisões que preciso tomar. Você poderia me explicar o que está acontecendo? Está com alguma dificuldade? Há algo que eu possa fazer para te ajudar?”

É uma perspectiva completamente diferente, percebe? Quanto mais distinguirmos a realidade dos nossos sentimentos (e julgamentos), sendo claros em nosso objetivo (intenção, intenção, intenção), maiores as chances de sermos ouvidos e nos conectarmos com a outra pessoa a ponto dela se importar e buscar uma solução junto conosco.

O oposto também é verdadeiro. Quanto mais julgamento trazemos para a conversa, maiores as chances de entrarmos na espiral do conflito e se desconectar. Para mudar esse padrão, precisamos exercitar o olhar a partir da perspectiva do outro e buscar compreender suas motivações de forma genuína. Por mais que acreditemos que as pessoas possam fazer algo para nos irritar ou prejudicar (e algumas são capazes disso mesmo), a maioria delas busca dar o seu melhor dentro de suas capacidades e compreensões.

Então, antes de entrar em uma conversa difícil, pare, reflita e tente identificar: o que você está levando para a pauta? Suas emoções e opiniões ou um fato para ser analisado? Se você busca conexão e resolução, esteja aberto a exercitar a escuta ativa e a ouvir também.

E aí, vamos começar a transformar nossas conversas em verdadeiros diálogos? Afinal, comunicação eficaz é aquela que constrói pontes, não muralhas. Bora praticar!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.